Educar está ficando perigoso — e ninguém quer falar sobre isso
- Ricardo Veras
- há 4 horas
- 2 min de leitura

Já parou para pensar que, no Brasil de hoje, ser professor deveria ter direito a adicional de insalubridade ou periculosidade? Pode parecer exagero à primeira vista, mas quem vive a realidade das escolas sabe: não é.
O que mais preocupa é que essa periculosidade não vem do que se imagina — não é do giz, da lousa ou da rotina puxada. Ela vem de onde menos se espera: dos pais e dos próprios alunos. Professores têm sido alvo de agressões verbais, físicas, ameaças e, em muitos casos, de uma sobrecarga emocional silenciosa que adoece e mata. Recentemente, soube de uma professora que sofreu um infarto fulminante dentro da escola. Ela morreu trabalhando. E ninguém falou sobre isso.
Hoje, o professor é cobrado para ensinar conteúdo, educar moralmente, acolher, proteger, adaptar materiais, incluir, resolver conflitos, registrar tudo — e ainda sorrir. Isso porque a sociedade, aos poucos, foi terceirizando funções que antes vinham de casa. E quando o professor tenta ensinar valores como empatia e respeito, é repreendido por pais que exigem uma reunião na direção porque “isso é papel da família”.
Mas quem está lá, todos os dias, convivendo com essas crianças por horas seguidas? Quem presencia os efeitos da negligência, da violência e do abandono emocional? Quem acolhe a criança que chega com o olhar perdido, faminta de atenção e limites? Somos nós, professores.
E ainda falam em inclusão, como se fosse simples incluir um aluno com TEA, TDAH ou deficiência sem oferecer formação adequada nem apoio em sala. Na minha formação, por exemplo, tive apenas algumas horas de Libras — quando o ideal seria um aprendizado contínuo e aprofundado ao longo de todo o curso. E isso se repete em outras áreas da inclusão. Os colegas são empáticos. Os professores, frustrados por não conseguirem atender como gostariam. E o sistema? Silencia.
Não é de se espantar que falte professor no Brasil. Afinal, quem escolheria uma profissão com baixa remuneração, altíssima exigência, falta de respeito e risco de violência? Ser professor exige vocação, sim. Mas vocação sozinha não sustenta saúde mental nem paga as contas.
É urgente que o poder público reconheça essa realidade e tome medidas: salários dignos, formações continuadas e reais, suporte para inclusão, segurança e autonomia para o professor agir sem medo de retaliação.
Educar está ficando perigoso. E o silêncio em torno disso também mata.
Se a sociedade continuar fingindo que está tudo bem, logo não haverá mais quem se disponha a ensinar.
.Por Daiene Malta Dutra Cliquet
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Daiene Cliquet é arte-educadora, produtora cultural, artesã, bonequeira e pesquisadora de artes integradas à educação pública.
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