Gramado em modo avião: quando a fantasia do luxo encontra a escala da realidade brasileira
- Ricardo Veras

- 16 de jul.
- 3 min de leitura

Por Sandro Chagas – Jornalista (DRT/RS 15.843) e Advogado (OAB/RS 105.040)
Gramado, a princesa serrana do turismo nacional, decidiu pausar. Por decreto, suspendeu novos alvarás para grandes hotéis e restaurantes por 180 dias. O motivo oficial é “planejamento urbano”. Na tradução livre do bom senso: “vamos tentar entender o que fizemos com a cidade depois de duas décadas vendendo encantamento em suaves parcelas.”
E não se trata de atacar Gramado. Trata-se de reconhecer que o modelo que outrora alçou a cidade ao estrelato agora tropeça na própria fama. Gramado brilhou — e segue com seu charme, sim — mas precisa encarar o espelho com honestidade: até que ponto é possível manter a ilusão de glamour num país em que até o arroz virou artigo de luxo?
O turismo gramadense, durante anos, funcionou como um conto de fadas capitalista: um cenário de chalés alpinos, pinheiros fotogênicos e chocolate artesanal, embalado em marketing de primeiro mundo. Só que agora, o preço de uma pizza beira os R$ 200, e o visitante começa a desconfiar que talvez o verdadeiro conto seja outro.
Vamos aos fatos incômodos: para o “rico de verdade”, aquele com sobrenome europeu, investimentos em dólar e férias programadas em Aspen, Dubai ou na Côte d’Azur, Gramado não aparece sequer entre os cinco primeiros destinos. Com boa vontade, está ali na antepenúltima posição, entre a dúvida e o improviso. Esses, quando vêm, chegam em jatinho, dormem uma noite e seguem para onde o champanhe não é vendido como experiência sensorial, mas como item de minibar.
Quem sustenta o comércio local, quem frequenta em massa, quem aluga pousada, janta, compra lembrancinha e sai encantado (ou endividado), é o turista médio. Aquele que não quer luxo, quer aconchego. Que não precisa de um spa ayurvédico de R$ 600, mas de uma sopa quente por um preço que não exija parcelamento.
Mas o discurso oficial insiste: “turismo qualificado”. Como se qualificação fosse sinônimo de exclusão. Como se o turista que traz lanche na mochila fosse um inimigo a ser combatido. Ora, o problema não é o sanduíche — é a pizza a R$ 200. Se Gramado se tornou inacessível até para quem tem uma renda razoável, talvez a pergunta deva ser: “estamos vendendo charme ou ostentação?”
Enquanto isso, a cidade vizinha observa. Menos holofotes, mais árvores. Começa a caminhar pelas pegadas do vizinho ilustre, mas parece ignorar os buracos do caminho. Sonha em ser a nova Gramado, sem perceber que a Gramado de hoje já não é aquela de ontem. A cópia malfeita de um modelo esgotado é a receita para virar referência — de fracasso.
Suspender alvarás por 180 dias pode parecer técnico, mas é o grito mudo de um sistema que claudica. É a admissão silenciosa de que talvez o turismo gourmetizado e cenográfico tenha passado do ponto — como aquele fondue que ferve demais e queima o fundo da panela (e do bolso).
Gramado ainda tem beleza, tem história e tem valor. Mas precisa escolher: seguir apostando em um luxo performático que exclui ou reinventar-se como um destino autêntico, acessível e sustentável. Porque turismo bom não é o de elite imaginária que passa correndo para a próxima conexão internacional. É o de quem chega, fica, consome, recomenda e volta.
E se a lógica continuar sendo “quanto mais caro, mais exclusivo”, a próxima suspensão pode não ser de alvarás. Será de visitantes. E essa, nem decreto reverte.

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