POLÊMICA SOBRE A DESAFETAÇÃO DA RUA COBERTA EM GRAMADO - Advogada Simone Janson Nejar Loba em direito de resposta rebate o Presidente da Câmara de Vereadores
- Ricardo Veras
- há 18 horas
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Peço licença ao Senhor Presidente da Câmara dos Vereadores de Gramado, vereador Ike Koetz, para oferecer o necessário contraponto à sua manifestação acerca da recente votação para desafetação da Rua Coberta. Em primeiro lugar, se alguma manifestação mais veemente houve, receba-a como uma profunda indignação pela forma como a Sessão foi conduzida. Se algum ataque de fato ocorreu, foi de sua parte, ao não cumprir uma regra obrigatória disposta no artigo 60 do Provimento 14/20217, chamado de Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Gramado, que assim preceitua:
Art. 60 Para a proposição que trata de matéria de grande repercussão a Comissão responsável pela análise de seu impacto social deverá realizar audiência pública para debatê-la com a comunidade. (deverá, grifo nosso)
§ 1º O Presidente de Comissão definirá com o Presidente da Câmara a logística, o local, a data e a ampla divulgação da audiência pública de que trata este artigo.
§ 2º Após a publicação e divulgação do edital, a proposição objeto da audiência pública, com sua justificativa, permanecerá à disposição para acesso público, no site da Câmara Municipal, pelo prazo de setenta e duas horas.
§ 3º Na audiência pública será observado:
I - abertura, pelo Presidente de Comissão, com:
a) indicação de autoridades e Vereadores presentes;
b) apresentação da matéria da proposição a ser discutida;
c) explicação de metodologia a ser observada;
II - após, de acordo com a ordem de inscrição, até oito oradores se manifestarão pelo prazo de cinco minutos, sem apartes;
II - após, de acordo com a ordem de solicitação da palavra, os oradores se manifestarão sem apartes, sendo a definição do tempo de fala e número de oradores, conduzida pelo Presidente; (Redação dada pela Resolução nº 4/2019)
III - encerrada a manifestação dos oradores inscritos, o Presidente de Comissão passará a palavra aos Vereadores pelo prazo de cinco minutos, sem apartes, na seguinte ordem:
a) Vereadores titulares da Comissão;
b) Vereadores não titulares da Comissão;
c) Vereador designado para Relatoria da proposição.
§ 4º O Vereador Relator da proposição objeto da audiência pública poderá, a qualquer momento, solicitar a palavra para prestar esclarecimento.
§ 5º Encerrada a audiência pública, a Câmara, permanecerá disponível para recebimento de sugestões, pela sociedade, à proposição, pelo prazo de setenta e duas horas.
§ 6º As sugestões populares serão examinadas, quanto à respectiva viabilidade técnica, pelo Vereador-Relator, em seu voto.
§ 7º A ata da audiência pública, com as manifestações, encaminhamentos e sugestões apresentadas, será publicada e divulgada, inclusive por meios eletrônicos, no prazo de quarenta e oito horas, contado do encerramento do prazo referido no § 5º.
§ 8º Para os fins deste artigo, considera-se matéria de grande repercussão:
I - projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual;
II - projetos de lei que modifiquem as leis referidas no inciso I, quando a alteração relacionar-se com programas sociais;
III - proposições que se relacionem com:
a) plano diretor de desenvolvimento integrado;
b) paisagismo urbano;
c) trânsito e transporte;
d) mobilidade urbana e acessibilidade;
e) transporte coletivo;
f) meio ambiente e preservação ambiental;
g) obras e posturas públicas;
h) tributos e benefícios fiscais;
i) turismo e desenvolvimento regional;
j) demais matérias que a Comissão julgar de amplo interesse público.
§ 9º A audiência pública de que trata este artigo deve ser realizada mesmo que a proposição tramite pelo Rito de Urgência ou seja pautada para deliberação em Sessão Legislativa Extraordinária, cabendo, ao Presidente da Câmara, em conjunto com o Presidente de Comissão, organizar o calendário legislativo para a sua realização
Quando o Senhor diz que nunca se negou ao diálogo, falta com a verdade, já que, além de não cumprir o próprio Regimento da Casa que preside, sabe-se lá por que motivos, ainda silenciou os manifestantes quando da votação do PLO 52/2025, tirando a transmissão do ar e retirando-se do recinto, só retornando a ele no momento da votação. Portanto, o Senhor não fez a audiência pública estabelecida pela Lei, nem tampouco ouviu os justos reclamos da população, retirando-se da sala, conforme vídeo feito por manifestantes naquele dia. Portanto, o Senhor nunca esteve aberto ao diálogo.
Sua alegação de que não há privatização ou restrição à liberdade de expressão não prospera, diante do panorama da nova lei aprovada por esta Casa, a Lei 4.424, que transfere ao prefeito, mediante decreto, o poder de realocar e restringir os artistas de rua da cidade, em flagrante violação ao disposto na Constituição Federal, que em seus artigos 5º, IX, 6º e 215 asseguram a liberdade de expressão artística, o direito ao trabalho e o direito à cultura, respectivamente, sendo que esta lei conseguiu solapar todos eles, ainda com poder legiferante ao prefeito. A ilegalidade, senhor Ike, é patente, de uma clareza meridiana, e lamenta-se profundamente que os cidadãos desta cidade não detenham um conhecimento mínimo acerca da Constituição do Brasil, a qual esta cidade está submetida, felizmente.
Como Presidente, o Senhor deveria ser o primeiro a prezar pelo cumprimento da Lei, a começar pelo próprio Regimento da Casa, o que não ocorreu. O necessário diálogo acerca da desafetação, um nome que precede a privatização, juridicamente falando, não ocorreu. A tramitação, em tempo recorde nesta Casa, esqueceu de cumprir um requisito legal que inquina de nulidade absoluta a votação e tudo que se seguir a ela, por vício insanável de forma. A omissão poderia caracterizar, em tese, o delito do art. 339 do Código Penal, prevaricação, a ser apurado pelo Promotor de Justiça. Caberia ao Senhor e aos demais Vereadores o zelo pelo cumprimento da lei, pois foram eleitos para isso.
Gramado chegou onde está graças ao trabalho duro dos gramadenses, os mesmos que foram desrespeitados pelo Senhor ao conduzir uma Sessão sem observância aos trâmites legais. A Casa do Povo, infelizmente, não se porta como deve. Não se vê independência ou harmonia em uma Câmara que não respeita sequer a própria legislação, e foi por isso que as pessoas se levantaram a denunciar a irregularidade apontada, verdadeira falta de compromisso e respeito com os eleitores. Ninguém gosta de ter seus direitos atacados à luz do dia, sem possibilidade de defesa.
Portanto, senhor Ike, parece-lhe mais fácil acusar quem o critica, de ser pessoa tóxica, do que reconhecer que a Sessão é nula porque não foi cumprido requisito de validade. Em um Estado de Direito, a crítica é necessária e bem-vinda, a menos que haja algum motivo obscuro para silenciar o cidadão. Vilipendiar as leis do país e ainda obter o aplauso dos incautos é lamentável. Quem exerce um mandato tem o dever legal de respeitar as leis, não podendo proceder à votação de forma sub-reptícia, escondida sob palavras bonitas para ludibriar leigos que insistem em confiar de olhos fechados em seus representantes. Em vez de reconhecer o seu erro, o senhor prefere acusar quem o aponta.
Esclareço que foram tomadas várias medidas junto ao Ministério Público e ao Judiciário, pois suas palavras bonitas não têm o condão de elidir a aplicação da lei e a sanção aos responsáveis pelo seu descumprimento.
A Rua Coberta é uma via pública, assim como uma praça ou uma praia. O fato de serem realizados eventos nela não a descaracteriza como logradouro de uso comum, contrariando o princípio da igualdade no uso dos bens públicos. O desvio de finalidade é evidente, e será questionado em ação popular. Por derradeiro, lamento profundamente que a população desconheça seus direitos e credite tanta confiança em meras palavras ao vento, enquanto é solapada em seus direitos mais fundamentais, como o de usufruir dos bens públicos.
Atenciosamente,
Simone Janson Nejar Loba, OAB/RS 77.033
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