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Democracia sob vigilância: quando a toga pesa mais que o voto

  • Foto do escritor: Ricardo Veras
    Ricardo Veras
  • 18 de jul.
  • 3 min de leitura
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* Num país onde o Supremo é o novo Oráculo de Delfos, discordar virou heresia e criticar, crime inafiançável. Tudo, claro, “para proteger a democracia”. Só esqueceram de perguntar se ela queria ser protegida desse jeito.


Vamos fazer um esforço coletivo de memória cívica: o que é democracia?


A resposta clássica — “o governo do povo, pelo povo e para o povo” — parece ter sido rebaixada a verbete nostálgico de livro didático. Porque o que temos hoje no Brasil é uma versão beta de democracia supervisionada. Funciona mais ou menos assim: você é livre para pensar, desde que pense direito. É livre para falar, desde que diga o que convém. É livre para escolher, desde que escolha o que já foi decidido por você.


Democracia é sobre equilíbrio entre os poderes. Mas atualmente vivemos um triângulo amoroso em que o Judiciário assumiu o papel de mãe superprotetora — daquelas que impedem o filho de sair de casa, porque “o mundo lá fora é perigoso demais”.


Liberdade virou conceito sob análise.

É permitido criticar, desde que com moderação. É tolerado divergir, desde que com reverência. E se você resolver ironizar ou satirizar? Bem, cuidado: o humor pode ser interpretado como “ameaça à estabilidade institucional”.


Vamos aos fatos, com um pouquinho de ironia, claro.


📜 Quando o Código Penal vira figurante


“Mas o Brasil está cheio de golpistas e extremistas! O STF precisa agir!” — bradam os paladinos da democracia de gabinete.


A resposta é simples: todo e qualquer abuso, crime contra a ordem constitucional, incitação ao ódio ou ameaça institucional já está tipificado no Código Penal. Não precisamos de tribunais legislando sob demanda, inventando jurisprudências como quem improvisa receita de bolo em dia de visita.


Se alguém comete crime, que seja investigado, denunciado e julgado — mas com base na lei existente, com contraditório, ampla defesa e devido processo legal. O problema é que, hoje, temos processos sem réu, réus sem acusação formal e penas aplicadas em tempo real pelas redes sociais oficiais do Judiciário. Tudo em nome de proteger a democracia. Que conveniente.


🧠 A nova religião da infalibilidade institucional


Criou-se uma narrativa mística onde o Judiciário é infalível, incontestável, acima do bem e do mal — e qualquer crítica é “ataque à democracia”.


Curiosamente, os maiores autoritarismos do mundo surgiram exatamente assim: com instituições se autoproclamando guardiãs da liberdade, enquanto prendiam quem ousasse discordar do manual da salvação nacional. Franco na Espanha, Chávez na Venezuela, Mussolini na Itália — todos começaram “protegendo” a democracia dos seus inimigos. O resto, como dizem, é história… e, aparentemente, má leitura dela.


🎭 A liberdade encenada


O Brasil virou um grande teatro democrático onde a encenação é livre, mas o roteiro é pré-aprovado. O cidadão aplaude de pé, mesmo de mãos atadas. A imprensa aplaude também — afinal, muitos veículos trocaram a função de fiscalizar pela de replicar releases com emoji de foguinho.


E enquanto isso, o povo vai se adaptando ao novo vocabulário:

• “Fake news” é qualquer informação fora do script oficial.

• “Desinformação” é sinônimo de dúvida.

• “Ativismo judicial” virou sinônimo de coragem, quando na verdade é desvio de função.


E a democracia? Essa continua ali, sentada no banco dos réus. Sem advogado, sem habeas corpus e sem direito à última palavra.


🚨 Democracia não precisa de babá


Democracia se protege com liberdade, com pluralidade, com limites claros entre os poderes. Não com censura, nem com salvadores da pátria vestidos de toga.


Porque se proteger a democracia significa calar o povo, criminalizar a crítica, e transformar divergência em crime, então estamos diante de uma farsa — um autoritarismo polido, de gravata e com transmissão ao vivo no canal oficial.


A democracia não precisa ser protegida de si mesma. Ela precisa ser vivida.


Ou, como bem disse Orwell (mas talvez seja considerado subversivo citá-lo):

“Se liberdade significa alguma coisa, é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir.”


Por Sandro Chagas – Jornalista (DRT/RS 15.843) e Advogado (OAB/RS 105.040)

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